segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Deus chupa mexerica!

Ele sentou-se no banco e olhou a paisagem à sua frente.
O Natal havia passado e o Ano Novo estava batendo à porta.
Estava preocupado, pois sabia que muitas coisas precisavam ser resolvidas. Tinha tentando à todo custo se livrar de algumas delas, mas não tinha conseguido. Sabia que novos problemas haveriam de vir, somando aos que já existiam e por conta disto não estava muito feliz.
Procurava se distrair assistindo o corre e corre de pessoas que, diante dele passavam. Tinha querido sair de casa, respirar outros ares, ouvir o som do parque que se misturava aos gritos felizes de crianças que se divertiam com seus pais naquela manhã.
O ano todo havia sido muito difícil, ele havia procurado dar o melhor de si, em seu trabalho, em seus projetos, tentado alternativas, mas as coisas pareciam não querer colaborar, e se não bastasse, ele tinha piorado a situação assumindo um compromisso que à princípio lhe pareceu certo, mas agora já não tinha tanta certeza.
Estava com medo do Novo Ano. Isto era certo.
Enquanto para muitos era uma ocasião de comemorações, de renovação, para ele o Ano vinha cheio de medos e incertezas. 
Foi então que uma garotinha passou em sua frente. Viu que ela se voltou olhando para o banco em que ele estava, deu meia volta e sentou-se ao seu lado. 
Ele ficou se perguntando: onde estará os pais dessa criança? Depois acontece alguma desgraça e vão ficar chorando. 
Olhando-a de soslaio viu que ela muito à vontade retirava de dentro de uma sacolinha uma mexerica, e enfiando o dedinho começou a arrancar a casca.
- Oi! - disse ela.
Ele respondeu apenas com um aceno de cabeça.
- Você quer um gomo de ME-XE-RI-CA? - ela perguntou soletrando cada sílaba.
- Não, obrigado!
Olhando por perto não viu ninguém que parecesse ser parente daquela menina, então intrigado, ele perguntou:
- Onde estão seus pais?
- Ah, devem estar por aí. Você deveria EX-PE-RI-MEN-TAR.  Vendo que ele não tinha entendido, ela continuou: 
- A ME-XE-RI-CA! Está docinha, uma delícia!
E sem que ele tivesse tempo de responder qualquer coisa, ela despencou à falar:
- Ela estava lá quietinha no pé, me convidando para apanhá-la. Fiquei olhando para ver como subiria na árvore, porque ela estava num galho muito alto, não que eu tenha medo, fique sabendo, sou muito CO-RA-JO-SA, sim senhor!
Enfiou três gomos na boca, de uma só vez, enquanto o suco foi caindo pelos cantinhos, ela continuou:
- Eu não tinha certeza, se valeria à pena meu esforço, sabe? Vai que a  ME-XE-RI-CA estivesse estragada, da onde eu estava não dava prá ver, e se estivesse azeda? Não ia valer à pena não é? Mas aí eu pensei: a gente não tem como ter certeza das coisas não é? Quero dizer, como vamos saber se uma coisa é boa ou ruim sem antes fazer um esforcinho? Foi então que eu decidi que deveria subir na árvore e apanhá-la. Não foi muito fácil, quase que eu caí, tinha uns espinhos e tal, mas não é que a danada está gostosa?  
E enfiou mais mexerica boca adentro.
Fiquei olhando para ela, primeiro com espanto, sem saber direito o que pensar, ela deve ter percebido minha cara, meu silêncio, então me olhou estendendo sua mãozinha toda melada com um gomo e disse:
- Vai, experimenta!
Eu aceitei, ela me sorriu e saiu correndo para brincar!
 

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