sexta-feira, 27 de março de 2015

Jardim e Jardineiro

"No dia em que o Senhor Deus fez a terra e o céu, não havia ainda sobre a terra nenhum arbusto do campo e não havia ainda germinado nenhuma erva do campo, pois o Senhor Deus não havia feito chover sobre a terra e não havia homem para cultivar o solo; mas um fluxo subia da terra e irrigava toda a superfície do solo. O Senhor Deus modelou o homem com o pó apanhado do solo. Ele insuflou em suas narinas o hálito da vida, e o homem se tornou um ser vivo. O  Senhor Deus plantou um jardim em Éden, a oriente, e nele colocou o homem que havia formado."

Gênesis 2, 4-8


Em um jardim tudo começou, e nós herdeiros desse Jardineiro ficamos com a responsabilidade de continuar a criação.
Poeticamente, porque tudo que leio, reflito, escrevo, tem que ser baseado em alguma beleza - e também sofrimento - fico aqui pensando nesse Deus que não teve receio de colocar a mão na terra para dar forma a alguma coisa que tivesse vida. 
Penso no jardineiro que pacientemente cultiva a terra para que ela seja boa, para que dela brote as primeiras sementes, que cuide dessas sementes, que lhes dê o que é necessário - luz, água, sombra - pra que ela cresça e frutifique e dela surjam novas sementes e assim esse ciclo se inicie tantas e tantas vezes.
Mas o primeiro passo é não ter medo de sujar as mãos. Se impregnar do que é bom, que gera vida, mas também do que não é bom. A terra é feita das duas coisas.
Geralmente é mais fácil apreciarmos um jardim já pronto. Repleto de cores, de cheiros, como eu gosto, para ser completo, de borboletas.
É muito melhor passear por esses jardins, do que se ajoelhar perante a terra, e retirar tudo que não presta, e esse não prestar também é muito relativo, porque em se falando de adubo, o pior pode vir a ser o melhor. 
Avaliar, ter paciência. Saber apreciar o crescimento lento. Ter coragem para retirar o que não deixa o broto crescer. Cultivar o amor por aquela flor mirrada que se diferencia das outras pela sua pequenez, mas que não a diminui aos olhos do jardim. Ela soma!
Fico aqui pensando nas inúmeras vezes que não nos fazemos verdadeiramente herdeiros desse Jardineiro que plantou esse jardim e nos deu. 
Temos medo e receio de colocar a mão na terra. Muitas vezes não queremos nos sujar. 
Essa humanidade formada do barro, que precisa ser moldada, trabalhada, amada, é lenta, é cheia de detritos que não a ajudam a crescer. 
O que faremos nós diante disso?
É o que me pergunto. 
É tão fácil amar o que já é bonito. 
Que recompensa teremos nós, por amar aquilo que já é pronto?
Penso que maior lição não pode haver. Esse Cara nos joga na cara o que devemos fazer. Porque Dele somos feito à imagem e semelhança. 
E quem lhes escreve agora é uma amante da obra maravilhosa desse Criador, que reconhece muitas e muitas vezes se mostrar impaciente, intolerante para com essas flores que insistem em não querer crescer.
E me reconhecendo assim, vejo também o quanto sou pequena diante desse jardim. O quanto sou lenta. O quanto sou semente que insiste em não querer crescer.
Preciso e precisamos todos uns dos outros.
Nunca conseguiremos crescer sozinhos. Somos jardim e jardineiros!
Vivendo juntos, falhamos juntos, mas também venceremos juntos "e assim voltaremos pra sempre ao seu jardim!"


quarta-feira, 18 de março de 2015

Inspiração

Como já escrevi aqui, muitas outras vezes, para se escrever é necessário inspiração.  
Inspiração não é uma coisa que acontece quando queremos, não vivemos inspirados, bem que eu gostaria. Sair criando, escrevendo, compondo, desenhando, enfim usando aquilo que temos de melhor dentro da gente para tocar a alma de alguém. 
Mas antes precisamos ser tocados primeiro. Primeiro a gente, depois através de nós, o outro.
Como uma pedra jogada no rio, forma ondas que vão crescendo.
Somos esse rio que tocados por uma pedra, propagamos ondas que mudam as direções e que inspiram outras formas de pensar e ver as coisas.                                                                                                  
E assim é em qualquer arte. Quando vemos uma pintura, uma dança, um texto, uma peça de teatro. Primeiro a pedra tocou e inspirou quem a criou, e através dessa obra criou-se a onda que vai crescendo conforme os nossos olhos se abrem para vê-la.
A vida também é assim. Muitas vezes pequenas ondas vem para nos dizer algo, e nós precisamos entrar em contato, abrir nossos olhos para que nos sintamos tocados e alguma mudança aconteça, dentro da gente, e a partir de nós, outros.
Mas e quando eles não se abrem? Pode ser que nada aconteça e a onda passe sem que ninguém a note. Ou pode ser que ela se manifeste de uma forma que não se possa ignorá-la.
Essa semana tive um sonho. Bom, até agora eu não sei se foi realmente um sonho, porque não sei exatamente o momento em que acordei.
Estava deitada em minha cama, e de repente senti a vida sair de mim, sem que eu pudesse contê-la. e eu lutava, lutava muito e quanto mais fazia isso, mais eu sentia que não tinha controle sobre aquilo. Eu era como uma bexiga esvaziando ou uma planta que vai murchando. Foram segundos eu acho, mas foram os segundos mais eternos, se é que tem algum sentido em se dizer assim. Foi angustiante para não dizer agonizante.
Então eu me vi acordada e bem viva! rsrs
Mas não foi possível ignorar a experiência de morte que eu vivi. Passei o dia todo pensando nisso, e esse sonho está sendo a inspiração para esse texto. Desta "morte" estou gerando vida.
Fiquei pensando o que será que isto significa? 
E o que me vem é o quanto estou carregando de peso morto, o que já não vive mais em mim e eu insisto em querer continuar...
Meus medos, minhas inseguranças, tudo aquilo que me faz sofrer, que faz com que meus ombros se curvem cada vez que eu prossigo em meu caminho carregando bagagens desnecessárias por medo, por ser insegura. É um ciclo que me acorrenta. 
Conversando com minha psicóloga, ela me falou o quanto temos dificuldade em olhar para dentro de nós, e é verdade. É tão melhor! É tão bom olhar o outro, olhar sempre para fora. 
Eu olho para fora e vejo manifestações de Deus. Eu sinto a presença Dele no vento, eu vejo a Sua face na folha que cai, na criança que brinca, na chuva, no céu. Isso é contemplação e é maravilhoso. Mas talvez não provoque mudanças. Não as mudanças que eu necessito.
E acho que Ele sabe disso. Sabe que eu preciso do sofrimento tanto quanto da beleza.

Então aconteceu esse sonho, que fez com que eu olhasse para dentro. Isso, se não foi uma manifestação de Deus, não sei o que foi. Real, tocando naquilo que é o meu maior pavor, me obrigando a pensar sobre, e a partir disto olhar meus cemitérios, e o quanto eles tem pesado sobre mim.
O rio tocado pela pedra é ferido e não será o mesmo a partir das ondas que se formam. Pode ser na superfície, mas na profundidade não mais.  
Contemplar é lindo mas viver, apesar de muitas vezes ser difícil, é o melhor. 
Encarar nossas verdades e enfrentá-las é libertador. Eu vejo minha fragilidade, mas através dela eu vejo o quanto já fui forte e quanto já superei e me refiz!
Queridos, algumas coisas precisam ficar para trás. 
Sem medo de ser feliz!