quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

"..."


... então ele terminou o livro e ficou pensando em seu conteúdo. De uma maneira particular a autora não deu aos personagens um final. Deixou as possibilidades.
Haveria quem sabe um segundo livro? Seria essa a intenção?   
Muitos escritores contemporâneos estavam optando por esse tipo de escrita. E era interessante o processo de ficar aguardando a continuação de uma história, alguns não tinham paciência para isso, mas a maioria encarava com grande expectativa o lançamento de mais uma parte.
Seria esse o caso?
Ficou refletindo sobre isso, gostava de ficar pensando no por quê das coisas.
A gente nunca sabe o que realmente passa pela cabeça do artista quando ele realiza sua obra, e isto também o fascinava, porque a arte é algo que ganha vida depois de pronta. Ela depende do seu criador para existir, mas depois de pronta ela cria asas e atinge as pessoas de um jeito muito singular.
Ela nunca tem um ponto final. Está sempre se transformando pelos olhos, ouvidos, coração.
Assim pensando, colocou uma música para ouvir. Uma sinfonia. Gostava de depois de uma leitura ficar ouvindo uma composição, os acordes lhe ajudavam a refletir.
Nesses momentos seus pensamentos pareciam cavalos selvagens soltos na campina.
"Para que colocá-los sob rédeas. São lindos, livres.
Se pudéssemos, assim como os pensamentos, também nós sermos livres. Não a liberdade que negligencia as responsabilidades, mas que nos possibilita vermos a vida de uma maneira nova. A liberdade que nos dá a chance de nos questionarmos, de mudarmos de opinião sem sermos tachados de não termos personalidade. A liberdade de nos moldar conforme as oportunidades que nos são oferecidas. Como as grandes obras de tantos artistas, vistas e sentidas de tantas maneiras diferentes. Nenhuma delas, um ponto final. 
A liberdade talvez consista em manter longe de nós o ponto final. Melhor uso seria as reticencias. 
Assim como a escritora do livro, que deixou em aberto algumas questões, para que nesse momento eu refletisse além de seus personagens, a minha própria vida. Estou aqui deitado em meu sofá, mas daqui a pouco posso estar em outros lugares, ser de outro jeito que não este. Assistir a algo que me faça mudar de ideia quanto a alguma coisa, amar e sentir as pessoas como eu achar que seja melhor, dar-me a chance do perdão, da amizade, de acertos e erros que sei que vou cometer. Nada se perdendo. Tudo se somando. Nada finalizando.  
Nem a morte é sinônimo de fim."
E pensando assim, ele acabou por dormir e sonhou com cavalos selvagens correndo soltos pelas campinas.



segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

A Sombra de Deus

                                                                                    foto Rafael Franceschini

"Certa vez, perguntaram a Albert Einsten qual era a definição da luz.
Einsten, em um de seus mais inspirados e geniais momentos respondeu:
A luz... é a sombra de Deus."


O despertador tocou. Minha mão fez o movimento mecânico de todas as manhãs, silenciando aquele que me acordava. Eu não tinha vontade de sair de minha cama, ela me abraçava e me acolhia.
Abri meus olhos e a imagem do teto veio até mim, representando o nada. 
Fiquei ali por alguns instantes, mas a lembrança de que daqui a alguns segundos "ele" tocaria novamente fez com que eu soltasse um suspiro de derrota e me levantasse.
Abri a janela do meu quarto.
O sol tocava lentamente a cidade. Como o amante que delicadamente repousa e desliza sua mão sobre o corpo de sua amada, na tentativa de acordá-la, assim eu via aquela luz sobre os prédios que amanheciam.
Porém, mesmo nesse momento de intensa beleza, estou respirando minhas fraquezas.
E o hálito que vem é amargo. 
Não quero permanecer forte, visto que não sou, então deixo que a escuridão tome conta e me leve para o fundo do que me cabe.
E tantas coisas me cabem.
Sou um vácuo, um buraco negro.
Ninguém pode ser eu, e eu não posso mesmo ser ninguém, e aí mora a mais verdadeira solidão.
Estou sozinha!
E ninguém virá, nem ouvirá meu grito onde sufoco o medo deste silêncio.
Então, porque me sentindo a pior das criaturas, ainda assim, contemplo essa luz que atravessa os céus, viaja pelo espaço e chega até mim?
E invade meus cantos e porões... e aquece a minha casa vazia?