sexta-feira, 4 de março de 2016

A Bruxa


Nota da autora: Um pequeno ensaio do que pode se tornar um conto!

Eram tempos difíceis aqueles.
Os olhares nos cercavam, nos prendiam em seus horrores e medos, com invisíveis ameaças de perseguição e fogueiras. Tudo era negro e coberto sobre uma neblina fria e úmida, que insistia em cair todas as vezes, que os homens levantavam as vozes  para proclamar mais uma sentença.
Condenação sem chance de defesa. Um perdão que não necessitávamos, mas que também sabíamos: nunca viria.
Nas névoas se escondia nossa pequena aldeia, uma das últimas que resistiam, ainda conservando a beleza dos primeiros séculos, onde não havia a necessidade de se esconder o conhecimento e a sabedoria das mulheres.
Elas eram as guardiãs e as geradoras da vida. Possuíam o dom da cura, do manejo delicado da terra. Olhavam as estrelas, a lua, e previam a melhor época do plantio das sementes. Respeitavam o descanso do solo, depois de cada colheita, assim como se respeita o repouso de uma mãe que acabou de dar à luz.
Nossas mulheres eram as melhores amantes, sabiam tocar o homem, em sua rudeza e força, os desarmavam de suas espadas e lanças, e em suas camas eram apenas meninos, descobrindo sentidos ocultos, eram guiados por caminhos que apenas elas conheciam.
Juntavam água e erva e levavam a cura para homens, mulheres, crianças, e todos os animais. Sabiam que tudo estava ligado, o céu e a terra, tudo um ciclo, uma roda girando comandada pela Grande Mãe.
Também eu fui uma dessas mulheres. Descobri muito cedo minha vocação. Cresci sabendo perfeitamente meu papel dentro da aldeia. Guiaria toda a aldeia e manteria nossa tradição. Mas fui traída. Entregue pelo Homem a quem amei.
Julgada, condenada, morta. Cinzas.
Mas agora, liberta de todos os medos, armadilhas e horrores, viajo pelo espaço, através de brisas e ventos. Atravesso tempos.
Voltei ao início. E aqui começa minha história.